Translate

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Totalitarismo: em germe na obra de Marx

Pierre Rigoulot
asO diretor do Instituto de História Social, Pierre Rigoulot acaba de publicar em “Le Figaro”, em 14 de janeiro de 2016, um artigo no qual afirma que Karl Marx faz parte da gênesis dos crimes conhecidos sob o qualificativo, sobretudo desde o informe secreto de Khrushchev de 1956, como essencialmente, se não exclusivamente, “stalinistas”. Rigoulot vê no rigoroso trabalho de André Senik sobre o “Manifesto do Partido Comunista” a refutação do clichê de que “não se pode condenar Marx pelos crimes cometidos em seu nome”. Eu aqui a coluna de Pierre Rigoulot:

Há livros que são um acontecimento. O de André Senik, intitulado “O Manifesto do Partido Comunista ante os olhos da história”, que ele acaba de publicar, é isso. É um acontecimento intelectual e político. Com ele, fecha-se um círculo.

Responsável por milhões de mortes, Stalin, Mao e Lenin foram finalmente desacreditados. Entretanto, faltava responder a uma pergunta: Stalin, Mao e Lenin traíram o pensamento de Karl Marx ou os desastres que todos os regimes comunistas causaram estavam em germe na famosa obra de Marx, “O Manifesto do Partido Comunista”? Este tema não é secundário. Se todos há tempoadmitem que Marx havia enterrado um pouco precipitadamente o capitalismo, eles continuaram lendo-o com respeito e o deram para seus filhos e alunos ler O Manifesto Comunista, um texto que qualificavam com freqüência de “visionário”, de “chamado à justiça social”, de “hino à humanidade” e muitas outras coisas.

Entretanto, após um cuidadoso exame do livro de Marx, parágrafo por parágrafo, linha por linha e palavra por palavra, André Senik não deixa nada em pé. As colunas do templo do pensamento revolucionário caem por terra. Antes de Senik, outros autores também já haviam demonstrado que a profecia marxista sobre o colapso da sociedade capitalista era errônea; que a teoria marxista da pauperização constante da classe trabalhadora, que com o tempo absorveria as classes médias e lutaria finalmente com elas contra o único adversário (a burguesia), era um embuste; e que a promessa de uma sociedade comunista na qual haveria o pleno desenvolvimento de todos e cada um, era uma piada macabra. Porém, tinha que ir mais longe.

Há mais de cinqüenta anos Jean-Paul Sartre disse que o marxismo era “o horizonte insuperável de nosso tempo”. Esse tempo acabou.

Porém, nunca é fácil derrubar um ídolo. Até o grande Raymond Aron acreditava que havia um “objetivo sublime” no marxismo, que por desgraça havia sido pervertido pela técnica desapiedada de tomada do poder que essa doutrina autorizava e inclusive preconizava. Na realidade, se alguns puderam lutar sob a bandeira do marxismo por uma sociedade ideal, justa e fraterna, o Manifesto, escreve Senik, “não contém as promessas humanistas e universalistas que Raymond Aron lhe atribuía”. A obra de Marx, de fato, preconiza conceder o monopólio do poder político ao Partido Comunista, detentor de um conhecimento absoluto sobre a história e conferir ao Estado todos os meios coercitivos necessários para fazer triunfar suas idéias e controlar todas as atividades econômicas. Não há nada de sublime nisso: são esses os elementos necessários para o estabelecimento de um Estado totalitário.

André Glucksmann, em seu livro “A Cozinheira e o Devorador de Homens”, via nos gulags soviéticos um bom “ponto de vista” sobre o marxismo. Senik confirma que, desde o Manifesto Comunista, o ponto de vista recomendado por Glucksmann é o único apropriado. Senik não exagera. Ele não diz do texto de Marx o que o texto não diz. Senik admite que no texto de Marx não se encontra “o anúncio de algum dos crimes cometidos em seu nome”. Ao contrário, mostra que em cada parágrafo do texto encontram-se “as premissas desses crimes e suas justificações”.

É o questionamento do “logiciel” de Marx mais radical e jamais tentado.

Sim, como escreveu em uma das mais fortes páginas de seu livro, o Manifesto não convida as crianças a denunciar seus pais ao Estado, ele anuncia que “os filhos não estarão sob o cuidado de seus pais, que a vida familiar desaparecerá, e que as crianças serão propriedade do Estado, o qual será tudo para eles”. O Manifesto tampouco faz apologia do terror totalitário exercido sobre os indivíduos, porém ele anuncia “que o partido-Estado do proletariado exercerá a totalidade de um poder sem limites”, e conduzirá uma luta de morte contra seus inimigos. O Manifesto não exalta as deportações e as execuções em massa, porém “se contenta em abolir o Direito deixando o Estado de mãos livres”. Não se encontra no Manifesto o anúncio dos campos de trabalho forçado nem os grandes processos (stalinistas), mas afirma que “sua concepção da história expressa o conhecimento absoluto do qual depende a salvação da humanidade e que o Partido Comunista é o único depositário disso”.

Fiel ao espírito do Manifesto, muita gente de esquerda continua opondo sistematicamente um polo negativo (patrões, exploradores, dominantes) a um polo positivo (trabalhadores, explorados, dominados). Para eles, essas oposições sociais e econômicas explicam tudo, “como se a cultura, a religião e as paixões não fossem também fatores determinantes dos conflitos na sociedade e no mundo”, observa Senik. Incapazes de escapar à influência do materialismo histórico do Manifesto, inúmeros experts em sociologia estão convencidos de que as difíceis condições materiais de vida dos jovens de famílias imigrantes são o fator principal de sua hostilidade à nossa sociedade e da atração de alguns pelo jihadismo.

Os marxistas revisarão seus esquemas? Esperemos que depois deste questionamento do “logiciel” de Marx, o mais radical jamais tentado até hoje, pois mostra em detalhes como, na obra mais emblemática, mais conhecida e mais respeitada do pensador alemão, estava já o germe do totalitarismo. Nunca se ponderará em excesso a importância da obra de Senik. Há mais de cinqüenta anos Jean-Paul Sartre dizia que o marxismo era “o horizonte insuperável de nosso tempo”. Este tempo se esgotou.


Traduzido do francês por Eduardo Mackenzie.

Institut d’Histoire Sociale, Paris - http://est-et-ouest.fr/chronique/2016/160115.html

Le Figaro, Paris


Ver "Le Manifeste du Parti communiste aux yeux de l'histoire", André Senik, éditions Pierre-Guillaume de Roux, Paris, 278 páginas, 23 euros.

Ver a gravação da conferência de André Senik no Institut d'Histoire sociale de 9 de novembro de 2015:


Tradução: Graça Salgueiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário